A vida como performance
É visto diariamente, nas redes sociais, pessoas das mais diversas se transformando em potenciais produtores de conteúdo. Essa cultura se infiltra cada vez mais na sociedade, criando cenários antes naturais, agora utilizados como vitrines de publicidade gratuita para marcas que sequer contrataram esses indivíduos. Nesse processo, uma geração inteira se torna blogueira de si mesma. O cotidiano banal — a ida à academia, a visita à loja de roupas, o café da manhã em uma padaria qualquer — se converte em espetáculo. Cada detalhe ganha uma aura estética ao ser capturado pela câmera, como se a experiência só tivesse valor ao se tornar imagem compartilhável. O que antes era apenas intimidade e vida vivida, agora é performance. E mais: performance travestida de publicidade.
Em A Sociedade do Espetáculo, Guy Debord descreve precisamente esse fenômeno: a realidade já não é experimentada em sua essência, mas encenada como espetáculo destinado ao consumo. Adaptando sua reflexão ao nosso tempo, percebe-se que muitos não apenas consomem marcas e estilos, mas desejam ser aquilo que consomem. Como crianças que almejam ser os heróis das histórias em quadrinhos, adultos reproduzem essa lógica ao vestir-se, alimentar-se e exibir-se como se fossem personagens de uma narrativa pública. Marcam marcas, posam em cenários, forjam um pertencimento ao universo dos “grandes influenciadores”, ainda que a audiência real seja composta apenas de conhecidos que pouco se importam com o conteúdo, mas seguem alimentando o ciclo da cultura do parecer.
O que se percebe, então, é que o indivíduo deixa de ser construção singular de si mesmo e passa a ser resultado de uma colagem dos aspectos primordiais dos influenciadores que consome. Seu vício nas redes se converte em identidade, num processo que Heidegger já denunciava ao falar do das Man: o homem que não vive como “si mesmo”, mas como “todo mundo”, perdido no impessoal, moldado por padrões externos que definem o que vestir, o que comer, o que mostrar.
A cultura digital ao mesmo tempo em que amplia a voz e a visibilidade do indivíduo, também o aprisiona em uma máscara coletiva. Ao perder a capacidade de ser si mesmo, o sujeito passa a existir apenas como reflexo de modelos pré-fabricados, reproduzindo gestos, desejos e estilos que não lhe pertencem. A promessa de liberdade das redes sociais se converte, paradoxalmente, em uma nova forma de escravidão simbólica: a dependência do olhar do outro. Romper com esse ciclo exige coragem para reencontrar a autenticidade, silenciar o excesso de vozes externas e recuperar o valor do invisível — aquilo que se vive não para ser exibido, mas simplesmente para ser verdadeiramente vivido.


